Para Antonio Candido, “é certo que quanto mais igualitária for a sociedade, e quanto mais lazer proporcionar, maior deverá ser a difusão humanizadora das obras literárias e, portanto, a possibilidade de contribuírem para o amadurecimento de cada um.”
terça-feira, 27 de abril de 2010
LITERATURA COMO FONTE
“O que é social na obra de arte é a forma.”
Georg Lukács
“A referência ao social não deve levar para fora da obra de arte,
mas sim levar mais fundo para dentro dela.”
Theodor Adorno
Entende-se que a literatura constitui uma espécie de consciência social do contexto no qual se origina e com o qual mantém intensas e complexas ligações, que serão únicas em cada obra e constituirão a feição particular de todas elas. Nesse sentido, o texto literário pode ser tomado como fonte de estudo da História, ainda que constitua um tipo especial de fonte, uma fonte na qual a dimensão de artefato artístico, no caso literário, não pode ser deixada de lado. É exatamente por dar forma de uma maneira muito peculiar a questões que provêm da conjuntura maior na qual se insere, que a obra literária finca suas raízes no solo da História.
Não se trata, por isso, de buscar informações históricas no tecido textual das obras.
Este ponto de vista, que se pode qualificar de paralelístico, consiste essencialmente em
mostrar, de um lado, os aspectos sociais, e de outro, a sua ocorrência nas obras, sem chegar ao conhecimento de uma efetiva interpenetração. Trata-se muito mais de atentar para a maneira pela qual cada obra dá forma e representa os dilemas historicamente postos no tempo em que surge. Trata-se de tomar o texto literário “na condição de entidade mediadora, isto é, valendo não por si (ou não apenas em si), mas enquanto domínio de projeção do espaço social que o engloba.”
Muitas são as concepções teóricas que visam a explicação das relações existentes entre a as áreas da Literatura e a História. Estas, abarcadas sob a designação de crítica sociológica da literatura, têm por meta iluminar a presença da história no interior da literatura e, de outra parte, situar a literatura no interior do cenário histórico mais amplo. Se História e Literatura têm incontestáveis vínculos, a maneira pela qual tal relação se estabelece deve ser investigada, pois é na trama do texto que a mesma se evidencia. A forma e o conteúdo literários devem ser tomados como elementos indissociáveis, em cuja unidade reside não apenas a singularidade das obras, como também a singular forma de representar a história que cada uma delas apresenta.
O problema fundamental para a análise literária de grande número de obras é, segundo Antonio Candido, “averiguar como a realidade social se transforma em componente de uma estrutura literária, a ponto dela poder ser estudada em si mesma; e como só o conhecimento desta estrutura permite compreender a função que a obra exerce.” Só através do estudo formal, portanto, é possível apreender convenientemente os
aspectos sociais. Hoje entende-se que a integridade da obra não permite adotar visões dissociadas, pretendendo que o valor de uma obra esteja predominantemente em seu conteúdo ou em sua forma. Diz a esse respeito Antonio Candido no clássico Literatura e sociedade:
Só a podemos entender [a obra] fundindo texto e contexto numa
interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que
explicava pelos fatos externos, quanto o outro, norteado pela convicção de
que a estrutura é independente, se combinam como momentos necessários do
processo interpretativo. Sabemos ainda que o externo, no caso o social,
importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento que
desempenha um papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto,
interno.
Ainda que o método paralelístico possa ser legítimo quando se trata de meramente
ilustrar através da representação literária certos usos e procedimentos de época, é preciso
reconhecer que não se estará entrando no mérito do valor da obra, e sim usando-a como
ferramenta ilustrativa do processo histórico, o que implica em desconsiderar o valor estético. E este é, não resta dúvida, fundamental para o significado da obra. Os tipos mais comuns de estudo de tipo sociológico em literatura são, de uma parte, trabalhos que procuram relacionar o conjunto de uma literatura, um período, um gênero com as condições sociais. Este método tradicional foi esboçado no século. XVIII por Taine e no Brasil representado por Silvio Romero. Trata-se de delinear uma espécie de panorama das épocas, nem sempre apontando com felicidade a efetiva ligação entre as condições sociais e as obras.
De outra parte, há estudos que procuram verificar a medida em que as obras espelham ou representam a sociedade, descrevendo os seus aspectos, estabelecendo correlações entre aspectos reais e temas dos livros. Também ocorrem estudos puramente sociológicos, consistindo no estudo do autor e seu público. O estudo da posição e função social do escritor, procurando relacionar isso com a natureza de sua produção e ambas com a organização da sociedade é também um veio de trabalho de pesquisa envolvendo os dois âmbitos. É possível ainda investigar a função política das obras e dos autores em geral, com intuito ideológico bem marcado.
Outro tipo bem específico de estudo seriam aqueles sobre as origens da literatura em geral e dos gêneros em particular. Em todas essas propostas temos um deslocamento de interesse da obra para os elementos sociais que formam a sua matéria, para as circunstâncias do meio que influíram na sua elaboração, ou para a sua função na sociedade.
O primeiro passo para um uso bem-sucedido da literatura como fonte histórica é ter
consciência da relação arbitrária e deformante que o trabalho artístico estabelece com a
realidade, mesmo quando pretende observá-la e transpô-la rigorosamente, pois a mimese é sempre uma forma de poiese. Assim como os sociólogos, também os psicólogos manifestam às vezes intuitos imperialistas, tentando explicar apenas com os recursos de suas disciplinas a totalidade do fenômeno artístico, derivando de tal atitude simplismos, reduções esquemáticas como meio, raça, etc. Não devemos esquecer que a sociologia não passa de ciência auxiliar; não pretende explicar o fenômeno literário, mas apenas esclarecer alguns de seus aspectos. Neste ponto, surge uma pergunta: qual a influência exercida pelo meio social sobre a obra de arte? E ainda: Qual a influência da obra sobre o meio? Assim podemos chegar mais perto de uma interpretação dialética, superando o caráter mecanicista de muitas repostas.
Algumas das tendências mais vivas da estética moderna estão empenhadas em estudar como a obra de arte plasma o seu meio, cria o seu público, agindo em sentido inverso ao das influências externas. Estes estudos têm como foco a influência da obra sobre o meio. Dizer que a arte exprime a sociedade constitui hoje verdadeiro truísmo. Na prática, chegou-se à posição pouco fecunda de avaliar em que medida certa forma de arte ou certa obra corresponde à realidade. E pululam análises superficiais, que tentavam explicar a arte na medida em que ela descreve os modos de vida e interesses de tal classe ou grupo.
Para o historiador interessado em pesquisar a Literatura como fonte, cabe mostrar que a arte é social nos dois sentidos: depende do meio histórico e age sobre este meio. Para ele interessa principalmente analisar os tipos de relações e os fatos estruturais ligados à vida artística, como causa ou conseqüência. Desta maneira, sua primeira tarefa é investigar as influências concretas exercidas pelos fatores socioculturais. Estes fatores ligam-se à estrutura social (que define a posição social do artista), aos valores e ideologias (que definem a forma e o conteúdo da obra), às técnicas de comunicação (que definem a fatura e a transmissão da obra).
A dinâmica social das obras pode ser descrita em linhas gerais como de agregação ou de desagregação. A primeira se inspira principalmente na experiência coletiva e visa a meios comunicativos acessíveis. Procura, neste sentido, incorporar-se a um sistema simbólico vigente, utilizando o que já está estabelecido como forma de expressão de determinada sociedade.
Já a literatura de desagregação preocupa-se em renovar o sistema simbólico, criar
novos recursos expressivos e, para isto, dirige-se a um número ao menos inicialmente
reduzido de receptores, que se destacam, enquanto tais, da sociedade. Na verdade, não se trata de dois tipos, mas de aspectos constantes de toda obra, ocorrendo em proporção variável segundo o jogo dialético entre a expressão grupal e as características individuais do artista. A predominância de um ou outro se dá segundo a intenção de integração ou diferenciação. A primeira quer acentuar a participação nos valores comuns da sociedade. A segunda, acentuar as peculiaridades, as diferenças existentes entre os indivíduos. São processos complementares de que depende a socialização do homem.
Luciana Paiva Coronel
Doutora em Literatura Brasileira pela USP e
Professora do Centro Universitário Metodista IPA
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