terça-feira, 27 de abril de 2010




LITERATURA E ESTRUTURA SOCIAL


Considerações iniciais

A obra literária é uma forma de manifestação artística condutora de diversos aspectos sociais da realidade que visa retratar. Para que ela exista e seja dotada de certa função, é necessário que haja uma troca de valores entre o autor e o seu público. Nesse sentido, os ritos, heróis, conflitos e enredos advindos das peças literárias cumprem uma função social: cria um espaço de interação de valores sócio-históricos entre os sujeitos aí envolvidos (autor e leitor); a literatura só existe nesse intercâmbio social.
Diante dessa cotidiana vivência artística exercida pelo homem, que é uma experiência específica de expressar suas concepções acerca de seu meio e instituições sociais, essa atividade, que não se assemelha a nenhuma outra, pode ser analisada através de um prisma sociológico? A literatura é um espelho da realidade social ou possui autonomia em relação a esse meio? Como relacionar as obras literárias e seus respectivos autores com o contexto histórico-social de sua época? Metodologicamente é possível fundamentar uma sociologia da literatura? Indagações estimuladas quando a atividade literária torna-se objeto de pesquisa em ciências sociais. Para aprofundarmos tais questões, analisam-se três posicionamentos adotados no âmbito sociológico acerca da literatura: a estética, a materialista e a mediadora (FACINA, 2004).

Perspectiva estética

A primeira concepção, chamada de tendência estética ou idealista, baseia-se em fontes estéticas ou psicológicas provenientes do autor e sua obra para estudar o conteúdo literário, marginalizando as condições sociais como centro de foco de atenção em suas análises. Essa tendência considera o campo social como interferências que atuam nas obras em segundo plano, as quais estão primeiramente sujeitas aos processos estéticos ou psicológicos advindos das capacidades criativas do autor.
Esse procedimento teórico tende a caracterizar a tendência estética plena de abstrações metodológicas e conceitos a priorísticos, tais como o de “instinto estético” Como dito anteriormente, os elementos sociais e os valores gestados em seu seio criam um espaço de interação entre o autor e o seu público.
O vácuo social na literatura, defendido por essa tendência teórica, acaba efetivando um dualismo entre posições estéticas e conjuntura social. O que empobrece essa concepção quando percebe-se que a linguagem (estética) e a significação (valores sociais) estão permanentemente envolvidos na produção literária. Dessa forma, detecta-se que a manifestação artística é constituída pela prática social, e não de idéias autônomas e isoladas da esfera social, que são desenvolvidas pelos sujeitos.
Essa concepção idealista define a estética e a cultura como esferas à parte na manifestação literária, completamente autônomas uma da outra. Romances, contos e poesias seriam aí expressões da individualidade e da singularidade do autor-gênio. Porém, essa postura fundada no indivíduo genial se contradiz quando situamos esse sujeito no campo artístico de sua época, investigando o vínculo entre os conflitos sociais de seu tempo e as questões históricas presentes em sua obra. Não que o escritor não possua a liberdade de ação criadora, mas que esse talento possua limites objetivos: o campo social e os hábitos aí firmados são centrais para entenderem-se as manifestações desses sujeitos.
O conjunto de disposições sociais é o que pauta e dá sentido às ações dos agentes (autores e leitores), o que organiza as práticas e percepções desses sujeitos. Essa noção acerca do âmbito social é o que “(...) permite superar a oposição entre leitura interna e a análise externa sem perder nada das aquisições e das exigências dessa abordagem, tradicionalmente percebidas como inconciliáveis” (BOURDIEU, 1996, p. 234).
Exemplificando essa afirmação, pode-se detectá-la através de um simples exemplo: os contos de fadas da Europa Medieval. Histórias que, aparentemente eram estranhas à realidade social daquela época, por possuírem personagens e enredos que eram alheios a ao sistema social vigente. Porém, possuíam um universo imaginário bastante homólogo aquela estrutura de sociabilidade; a experiência social daquele grupo estava interligada de maneira significativa naqueles textos literários.
Atesta-se empiricamente tal análise quando se percebe que o fundo temático constante nessas histórias (Chapeuzinho Vermelho, Joãozinho & Maria, Branca de Neve, etc) eram as mensagens de cunho moral, que procuravam moldar socialmente os indivíduos a partir de determinados valores históricos constituídos pela cultura cristã. O que demonstra que esses pequenos contos, a priori, desligados de sua esfera social em detrimento de sua instância mágica (animais falantes, etc), tornam-se homólogas à esfera social, instante em que a religião e sua moral eram temas preponderantes nesse sistema de sociabilidade.
Portanto, não há qualquer antinomia entre a possibilidade de uma relação estrita entre criação subjetiva do autor e a emergência da realidade social em sua obra. Contrariando a tendência que valoriza a estética como foco de análise, pode-se afirmar que:
Os postos mais altos da criação literária podem não só ser estudados, em tal perspectiva sociológica, tão bem como as obras médias, como se revelam mesmo particularmente acessíveis a uma tal investigação. Por outro lado, as estruturas categoriais sobre as quais incide este gênero de sociologia literária constituem precisamente o que confere à obra a sua unidade, o seu caráter especificamente estético e, no caso que nos interessa, a sua qualidade propriamente literária (GOLDMANN, 1989, p. 13).

Perspectiva materialista

A segunda perspectiva para se analisar as obras literárias é a tendência materialista. Essa concepção de estudos sociológicos no campo da literatura foi o método mais utilizado em análises da relação entre a obra e seu meio social, desde a segunda metade do século XIX (CANDIDO, 1967).
Do século passado aos nossos dias, essa sociologia literária tradicional esforça-se por estabelecer relações entre o conteúdo expresso da obra com o conteúdo da consciência coletiva de sua época. Os estudiosos consideram aí o material literário como um reflexo da realidade social, limitando-se então a analisar o que é transplantado da esfera da sociabilidade para a ação e falas das personagens, enredos, etc.
Essa postura metodológica, baseada de forma polêmica e reducionista no materialismo histórico, desenvolvido inicialmente por Marx, ao afirmar “(...) que os indivíduos são dependentes, portanto, das condições materiais de sua produção” (MARX & ENGELS, 1976, p. 19), torna-se emblemática, quando, de forma mecânica, reduz toda a atividade cultural (literatura, música, teatro, etc) a uma mera dimensão superestrutural dependente e determinada pelas condições materiais. Ela define as manifestações culturais como um campo secundário; que simplesmente tende a espelhar a infra-estrutura ou a base econômica. Esse reducionismo, apesar de inverter a ótica idealista advinda da posição estética, continua a disseminar a falsa separação entre cultura e sociedade (WILLIAMS, 1979).
Além do mais, como foi observado anteriormente, o literato em seu processo de criação não utiliza apenas o seu âmbito social como referência a sua manifestação artística. O seu imaginário, o qual não tem necessariamente um vínculo com o campo empírico, também sempre está ativo na confecção de enredos e personagens. Um bom exemplo disso é a obra A Metamorfose do tcheco Franz Kafka.
Nesse romance, a personagem principal transforma-se num inseto, a partir de então, ela passa a observar as relações sociais que o rodeiam numa perspectiva diferenciada. Desse modo, como a postura materialista, que considera a literatura como mero reflexo social, consegue captar o sentido sociológico representado num fantástico inseto da obra kafkiana, que a priori, não possui nenhum vínculo com o campo empírico social?
Esta visão reducionista, ao postular uma teoria da arte em que busca-se explicar os fenômenos culturais enquanto reflexos da base econômica, sem a capacidade de intervenção na dinâmica desta por parte do processo imaginário do autor, reduz potencialmente toda uma gama de possibilidades de análises de obras onde a constância de referências fantásticas são iminentes.
Diante desse contexto, há a possibilidade para analisar uma obra naturalista de um Émile Zola, escola literária cerceada pela preocupação de produzir obra da forma mais verossímil possível da realidade. Mas, ao mesmo tempo, como tentar efetuar o mesmo num texto recheado de símbolos imaginários como são os poemas do simbolista Cruz e Souza?
A arte como reflexo imediato do mundo objetivo, em que prevalece uma ótica mecanicista, torna-se inconsistente ao perceber suas antinomias:
Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra. (...) Os estudiosos habituados a pensar, neste tópico, segundo posições estabelecidas no século XIX, quando ela estava na fase das grandes generalizações sistemáticas, que levavam a conceber um condicionamento global da obra, da personalidade literária ou dos conjuntos de obras pelos sistemas sociais, principalmente do ângulo literário. Todavia, a marcha da pesquisa e da teoria levou a um senso mais agudo das relações entre o traço e o contexto, permitindo desviar a atenção para o aspecto estrutural e funcional de cada unidade considerada (CANDIDO, 1967, p. 4-8).
Ambas as tendências teóricas (a obra literária como realidade desprendida de seu contexto histórico ou como espelho/reflexo da sociedade) trouxeram dicotomias para a história literária, as quais limitaram as tentativas de teorizações sociológicas acerca da natureza romanesca ou poética. Diante das querelas e antinomias discutidas anteriormente, cabe à atual disciplina sociológica questionar, problematizar e organizar as suas práticas metodológicas, a fim de superar essas polarizações teóricas.

Fundamentando uma nova Metodologia para a Sociologia da Literatura

Mediante as inconsistências teóricas advindas das perspectivas idealista e materialista, surge uma outra tendência no ramo sociológico da literatura: a posição mediadora. A idéia de mediação surge com a intenção de problematizar a teoria do reflexo social, pois demonstra que não só a esfera social é ativa na criação literária, mas também há um processo ativo por parte do imaginário do autor nesse contexto. Quer dizer, analisando uma obra artística a partir dessa postura é considerar que a questão social não está refletida diretamente na arte, pois ela é captada por um processo (imaginário do ficcionista) que altera seu conteúdo original (FACINA, 2004).
Desse modo, numa análise efetivada nessa filiação teórica, exige-se que se entenda a obra inserida enquanto tal, num processo histórico no qual ela é parte ativa, não sendo nem uma esfera absolutamente autônoma e muito menos uma projeção secundária de modo determinístico pelas relações sociais. Ela estaria inclusa de um modo indireto na relação entre experiência empírica (esfera social) e sua composição (imaginário do autor).
Com base nessa perspectiva, a literatura expressa as visões de mundo que são coletivas de determinados grupos sociais. Essas visões de mundo são constituídas pela vivência histórica desses grupos, formada pela ação dos indivíduos, que são construtores dessa experiência. São elas que compõem a prática social dos sujeitos e seus grupos sociais. Nesse caso, analisar as visões de mundo transformadas em textos literários, investigando aí as condições de produção e a situação sócio-histórica de seu autor, deve ser o foco de estudos para a investigação sociológica:
O principal elemento desta teoria de um vasto alcance é a Weltanschuung – visão de mundo que é comum a um escritor e no grupo social de que faz parte e que pode encontrar expressões manifestamente apresentadas tanto no domínio da literatura como noutros domínios. Sem ser inteiramente determinada pelas condições sociais e econômicas, a Weltanschuung depende delas em ampla medida (WARWICK, 1989, p. 222).
Essa postura mediadora possui a influência metodológica acerca de seu objeto da sociologia compreensiva. Para essa tendência, o objetivo essencial da sociologia é a captação da relação de sentido da ação humana, ou seja, chegar a conhecer um fenômeno social quando o compreende como fato carregado de sentido que aponta para outros fatos significativos. Esse sentido, quando manifesta-se, é o que dá à ação o seu caráter concreto, quer ele seja do âmbito político, religioso ou econômico (WEBER, 1992).
Desse modo, as relações sociais são conteúdos significativos atribuídos por aqueles que agem tomando outro ou outros como referência: fidelidade, conflito, piedade, etc. Essas visões de mundo seriam decorrentes das condutas de um sujeito (escritor) e de outros (públicos) orientados por algum tipo de sentido comum entre eles. O que equivale a afirmar que os verdadeiros motivadores da criação literária são os grupos sociais, e não os indivíduos isolados. O criador individual (o escritor) faz parte desse grupo, dada a sua origem ou posição social, sempre norteado pela significação objetiva de sua obra perante o contexto sócio-histórico que pertence. É nessa relação que se constitui o conteúdo da obra de arte, ela situa-se não somente na criatividade do artista individual, mas também dentro das experiências do grupo social, numa influência recíproca entre esses dois atores sociais.
Um exemplo que ilustra essa questão é a ação exercida por três indivíduos que carregam um piano. Em qual desses sujeitos está o sentido da ação? Certamente em nenhum deles considerados separadamente, mas ao contrário, o valor desse acontecimento encontra-se na realidade nova criada pela ação em que cada um dos participantes é parte integrante do fato.
Desse modo, perante relações intersubjetivas que envolvem os participantes é que se encontra o sentido da ação na conduta desenvolvida por estes: os três carregavam o piano com a finalidade de levá-lo para um bar, e que assim pudessem usá-lo na apresentação de sua banda musical; eis aí um tipo de sentido. Quer dizer, o comportamento social é uma tentativa de dar respostas significativas a uma determinada situação, o que cria um equilíbrio entre o sujeito da ação e o objeto sobre o qual esta ação se verifica.
Considerações teóricas que equivale a afirmar que o estudo da literatura não deve se restringir às relações entre o escritor e sua obra, mas visa conseguir “(...) destrinchar os elos necessários, vinculando-os a unidades coletivas cuja estruturação é muito mais fácil de apurar e elucidar” (GOLDMANN, 1967, p. 206). Até mesmo porque:
A experiência de um único individuo é muito mais breve e demasiado limitada para poder criar tal estrutura mental; esta não pode deixar de ser o resultado da atividade conjunta de um número importante de indivíduos que se encontrem numa situação análoga, isto é, que constituam um grupo social privilegiado, indivíduos que tenham vivido muito tempo e de maneira intensa um conjunto de problemas e se tenham esforçado por lhe encontrar uma solução significativa. Isto equivale dizer que as estruturas mentais, ou, para empregar um termo mais abstrato, as estruturas categoriais significativas não são fenômenos individuais mas fenômenos sociais (GOLDMANN, 1989, p. 12-13).
Assim, os indivíduos desenvolvem visões de mundo que estão vinculadas em uma criação literária, que não são fruto nem de um sujeito isolado, muito menos de um mero reflexo de seu meio social. Essas visões de mundo são compartilhadas por membros de uma dada comunidade e também são referências a esses grupos sociais, nesse sentido, são formulações coletivas frente ao mundo. O verdadeiro autor da criação literária é esse sujeito coletivo, havendo então a necessidade do sociólogo captar as estruturas significantes desse processo sócio-histórico impresso nos romances e noutros tipos de peças literárias. Essa coletividade é entendida como uma complexa rede de relações interindividuais, nos quais há o processo em que “(...) o artista, sob o impulso de uma necessidade interior, usa certas formas e a síntese resultante age sobre o meio” (CANDIDO, 1967, p. 25).
Isso se dá porque os sujeitos, perante os desafios presentes nas relações sociais, procuram agir no intuito de intervir nos acontecimentos sociais através de respostas às questões com que se deparam. Esse esforço para adaptar-se à realidade segundo as conveniências sociais faz com que os indivíduos tendam a efetivar seus comportamentos enquanto “estruturas significativas e coerentes”. Tal estrutura, na qual há a interação do grupo social e a procura de respostas às suas expectativas, provoca a criação artística, que é uma forma significativa e articulada de expressão das possibilidades objetivas presentes nesse grupo social. O autor funda em seus escritos a mediação constitutiva através da qual a consciência possível da coletividade social se encarna de maneira coerente na obra literária, há então a “(...) criação de um mundo cuja estrutura é análoga à estrutura essencial da realidade social” (GOLDMANN, 1967, p. 195).
A partir dessa abordagem, complementar aos procedimentos metodológicos insuficientes na análise literária, discutidas anteriormente, surge a concepção em que os sujeitos elaboram suas visões de mundo como parte de sua experiência, que necessariamente é compartilhada com um ou mais grupos sociais, o que resulta na literatura enquanto algo que foi construído coletivamente. Nesse sentido, os literatos são formuladores de idéias, vinculadores de visões de mundo que são construídas coletivamente, exercendo os escritores a função de intelectuais perante a sociedade.
Mediante essas reformulações teóricas, obtém-se uma nova postura teórica, na qual a relação entre o texto literário e a realidade social se dá através de uma visão de mundo. Quer dizer, o sociólogo ao estudar uma obra artística, deve perceber a homologia entre a estrutura da visão de mundo do grupo social a que pertence o autor literário e a estrutura histórica do texto em questão, cabendo ao cientista social trazer à luz o sentido profundo do texto literário através da análise de seu conteúdo. Nesse sentido, a complexidade desse método mediador (FACINA, 2004) confere importância às estruturas que fundamentam as visões de mundo da obra – a relação entre o processo de concepção da obra de arte e o espaço social em que é produzida.
Essa orientação relacional compreende a obra dentro de suas condições de produção, dadas pela estrutura de campo histórico e literário num determinado momento. Ambas as estruturas são constituídas por diversos atores sociais, os quais de uma forma individual ou organizadas coletivamente, emitem diferentes posições sociais e políticas distintas e oponentes entre si. Nessa estrutura social, a posição ocupada pelo literato está associada à trajetória histórica que ele percorreu para ocupar a posição de intelectual: os grupos sociais aos quais está articulado, o tipo de público de suas obras, o modo como seus textos são ou não aceitos, etc (BOURDIEU, 1996).
Assim, a análise do texto literário e de suas condições sociais de produção seria efetuada de acordo com uma lógica relacional – a observação das relações entre os diferentes atores sociais envolvidos na atividade intelectual (autor, público, meios de comunicação, etc) e as posições sócio-políticas presentes no período histórico em que a narrativa literária foi escrita.
Portanto, cabe ao cientista social indagar a si mesmo como essas visões de mundo tornam-se coesas e a partir de quais pressupostos valorativos presentes nas relações sociais elas se utilizam para essa coesão. O objetivo da análise sociológica é o de desvendar a lógica do “jogo de poder social” e demonstrar como esse fenômeno é retratado na obra artística. Assim, a partir dessa discussão, pode-se propor três aspectos da atividade literária a serem observadas em pesquisas de âmbito do sociológico:
1) A estrutura social – constitui a mediação entre a obra de arte e as dimensões da realidade social em que ela está inserida. Isso significa observar como as pressões que os valores culturais, os grupos sociais, as posições políticas vigentes e o público do literato vão exercer na elaboração e aceitação do texto literário em seu respectivo período histórico.
2) O gênero literário – as tendências artísticas possuem suas normas, suas “leis internas”, suas tradições e predileções. Tais aspectos privilegiam certos temas e marginalizam outros. É a partir desse “código estético” que o autor se pautará para se dirigir ao público e críticos, além de eleger determinadas normas de seus gênero literário ao abordar os temas em seu texto.
3) O autor – a posição constituída pelo artista implica no valor dado ao seu imaginário, os seus intuitos individuais; as formas e os conteúdos que ele pretende atribuir a sua obra e expectativa de como ele será aceito pelo público.
Lembrando que não há prioridade de um fator sobre o outro, pelo contrário, a postura mediadora de análise consiste em considerar que esses três atributos estão profundamente imbricados uns aos outros dentro da obra de arte. Esse tipo de procedimento metodológico possibilitará encontrar as atividades intelectuais, políticas, sociais e econômicas de forma agrupada nas estruturas de conteúdo das obras literárias estudadas e, assim, ser possível estabelecer entre elas o conjunto de relações inteligíveis que a mensagem do texto tende a mostrar – homologias (GOLDMANN, 1967).

Considerações finais

Diante das reflexões teóricas aqui discutidas, verifica-se que deve-se propor a superação das posições idealistas e materialistas na fundamentação metodológica da sociologia da literatura. Ao invés disso, buscando um modo mais abrangente de análise, a literatura deve ser tomada como um campo que diz respeito a um conjunto de práticas, contextos e atores sociais se auto-definindo e se auto-regulando. Quer dizer, o estudo sociológico da atividade literária deve observar as práticas que dizem respeito não só à estrutura social, mas aos intuitos do escritor e dos diversos agentes culturais envolvidos na produção e apropriação do texto literário. A obra literária não é mero reflexo da consciência coletiva ou individual, mas a concretização das ações sócio-culturais tomadas por um grupo social na definição da consciência coletiva: a produção literária corresponde à estrutura mental de um determinado grupo social. Desse modo, a obra literária de uma dada sociedade e época é o resultado de diversas práticas, pressupostos, concepções expressas em valores e posturas reconhecidos enquanto tal pela coletividade.
Esse procedimento metodológico consiste em situar sócio-historicamente autores e obras, definindo o lugar social de onde eram escritas, quais as finalidades das questões levantadas por esses intelectuais perante a sociedade, em que veículos eram publicadas e a que tipo de público o autor se dirigia. Enfim, perceber os olhares desses escritores sobre sua sociedade e os debates públicos mais importantes de sua época devem ser contextualizados. É preciso compreender a lógica das visões de mundo, dos juízos de valor e das opiniões políticas que os escritores elaboram em suas obras. Ter em conta toda essa complexidade do objeto literário é parte fundamental da elaboração de um olhar sociológico e de um consistente procedimento metodológico, apto a captar as características e peculiaridades intrínsecas na arte literária.

Dennis de Oliveira Santos


Referências bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade: estudos de teoria e história literária. 2ed. São Paulo: Companhia Nacional, 1967.
FACINA, Adriana. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
GOLDMANN, Lucien (org.). Sociologia da Literatura. São Paulo: Mandacaru, 1989.
______. Sociologia do Romance. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Lisboa: Martins Fontes, 1976.
WARWICK, Jack. Um Caso-Tipo de Aplicação de Método Sociológico: os escritores canadianos franceses e sua situação minoritária. In: GOLDMANN, Lucien (org.). Sociologia da Literatura. São Paulo: Mandacaru, 1989.
WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 1992.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

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