terça-feira, 27 de abril de 2010




A Análise dos vínculos entre Literatura e sociedade


A análise dos vínculos entre Literatura e Sociedade, ou a atribuição de uma função social à Literatura é tema de um sem número de pesquisas. Entre aqueles que defendem que toda obra literária deve obrigatoriamente cumprir um papel social, e a outra corrente de pensamento que entende a obra literária como algo absoluto, que existe em si e por si, não tendo compromisso algum além da estética (estesia), inclino-me a engrossar as fileiras do segundo grupo, sem fanatismos.
Uso a expressão ‘sem fanatismos’, pois, é óbvio que há uma extensa zona de intersecção entre literatura e sociedade; a obra literária (a obra de arte, de modo geral) sofre influência do meio social e o influencia, sendo esse um processo de intervenção dinâmico.
Sempre que tenho oportunidade de participar de seminários que discutem o tema, procuro defender a idéia que o saber gerado pela literatura contribui para a sobrevivência de uma identidade social que se constrói como narrativa; esse saber tece imagens, ora inusitadas, ora familiares, à procura de manifestar o real, que se torna tão mais intenso quanto maior for o estranhamento produzido pelo fato literário.
Não que a obra literária tenha essa responsabilidade ou qualquer outra obrigação (como querem alguns), mas, porque está no seu ‘caráter humano’ já que é produzida por homens.
Quando falo em manifestar o real, refiro-me a determinados ângulos da realidade captados pelo olhar do autor, filtrados pelo seu próprio ideário cultural, sua percepção sensorial e afetiva, e, finalmente, transformados por ele em escritura. Aqui, é preciso cuidado para não ser reducionista: a obra literária não é um mero produto da incorporação de realidades apreendidas ou inventadas.
Através do contato com a escritura de Marcuse tenho compreendido melhor a zona fronteiriça e, portanto, conflitante, entre Literatura e Sociedade. Segundo ele: "A verdade da Arte reside no poder de romper o monopólio da realidade estabelecida (isto é, daqueles que a estabeleceram) para definir aquilo que é real". As grandes obras da pobremente denominada "literatura de engajamento social", como "Vidas Secas", por exemplo, são grandes porque exerceram plenamente esse poder, e não porque cumpriram uma suposta função.
Transpondo o pensamento de Marcuse para esse território, compreendo que a obra de arte literária não precisa ser validada pelo seu compromisso com a questão social, mas, a sua energia estésica pode sim, como quer Marcuse "se tornar uma denúncia [e também] a celebração daquilo que resiste à injustiça e ao terror."

Sandra R. S. Baldessin

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